24 de novembro de 2009

A arte da crônica I

Bia Albernaz

É perfeitamente possível atingir a profundidade ficando na superfície.
 Luís Fernando Veríssimo
Infinity of typewriters, Arman

Para os que querem escrever crônica, uma atitude é fundamental: abertura para perceber como o mundo continua a se criar. Na escrita desse estado de permanente criação do mundo faz-se a crônica. Mas como o cronista sabe também da impermanência das coisas, ele é muito humilde no relato de suas descobertas. Como um vento que quando a gente vê já passou, o texto da crônica também se contenta em, suavemente, mexer com os corações e mentes de seus leitores. Trata-se, portanto, de um gênero literário de extrema leveza, apesar de se valer das contribuições da historiografia e do jornalismo, além do trânsito entre a narração de casos e a prosa poética. Como forma literária, pode-se dizer que a crônica funda-se num modo de ver o mundo em que se conjugam ética, beleza e história. Com uma linguagem afinada pelo especial cultivo da sensibilidade em relação ao cotidiano, há nela lugar para o coloquialismo, a ruminação e o devaneio. Mas é com base no espanto que os cronistas “tomam conta do mundo”, na expressão de Clarice Lispector.

Segundo Machado de Assis, toda crônica começa por uma trivialidade, juntamente com a busca da empatia do público através de estratégias que estabeleçam fácil, rápida e familiar comunicação: “o meu primeiro cuidado é dar-lhe os bons dias”. Originalmente dispondo de pouco espaço no lugar em que mais se disseminaram, os jornais, o cronista aprendeu a ser sintético, a fazer os assuntos se integrarem e sobretudo a aproveitar a maravilhosa economia que os autores conseguem quando usam as entrelinhas. De textos que resumiam os principais assuntos na semana, nos antigos folhetins, a outros que hoje desfiam a passagem de um único episódio, na demonstração de que é possível comentar com singeleza até mesmo a falta de assunto, evoluiu o gênero.

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