12 de novembro de 2009

A hóspede

Tathy Viana

Claudia pensou que fosse aproveitar o feriado prolongado para descansar, ver um monte de filmes no DVD e namorar seu marido, Marco Antônio. Mas seus planos foram por água abaixo quando ele anunciou que sua mãe, dona Carmela, viria passar o feriado com eles.
Hóspede que também é parente é a pior combinação possível. Só fica pior quando o parente em questão é a sogra. Dona Carmela chegou e anunciou que não iria ficar somente o feriado: a visita ia durar o mês todo. Marco Antônio comemorou como se o time dele estivesse finalmente saindo da segunda divisão. Já Claudia trincou os dentes, inspirou e expirou profundamente, mentalizou o céu azul no alto de uma montanha. Não adiantou nada. Em menos de dez dias de convivência com a sogra, Claudia já estava quase surtando, batendo com a cabeça na parede.
O problema era o espaço. Hóspede educado não ocupa espaço. Mas dona Carmela, hóspede, parente e sogra, ocupava. Hóspede educado procura se adequar as regras da casa. Dona Carmela, ao contrário, queria que sua anfitriã se adequasse às suas normas.
Claudia passava o aspirador na casa. Cinco minutos depois, como quem não quer nada, a sogra passava de novo. Aliás, ela estava sempre limpando todos os cantos e mudando tudo de lugar. Um dia, Claudia acordou às sete da manhã e dona Carmela já estava de pé, trepada num banquinho, passando um pano com álcool nas pás do ventilador de teto.
E ela queria pagar tudo, num nível que beirava o constrangimento. Da compra de mês do supermercado a conta da farmácia, lá ia a sogra puxando a carteira mais rápida do oeste. Socorro, Claudia gritava internamente. Mas tinha que gritar bem baixinho, porque Dona Carmela escutava TUDO, até pensamentos.
Toda vez que Claudia sentava no sofá para falar com uma amiga no telefone, Dona Carmela como não quer nada, vinha com uma vassourinha, para varrer ali por perto, só para ouvir melhor a conversa. Enlouquecedor.
E o marido nisso tudo? Só sabia dizer, coitada da minha mãe, ela é sozinha...
Dona Carmela alterava a rotina da casa. Ela tomava partido do filho, criticava a comida, a roupa, a casa, a própria Claudia e principalmente: não ia embora.
Vinte dias de suplício pela frente. Claudia pensou numa solução. E logo começou a colocar ideias na cabeça da sogra. Primeiro, como quem não quer nada comentou de uns conhecidos que foram viajar e quando voltaram, encontraram a casa toda revirada. Assalto.
No dia seguinte, contou que a previsão do tempo anunciou, para a cidade de dona Carmela, uma chuva de meteoros... já pensou se algum caísse no quintal?
Depois, comentou que viu na TV que está tendo uma praga de formigas-cupins na região, uma nova espécie transgênica que comia até cimento. Diz que uma pessoa chegou em casa depois de uma viagem e tudo virado pó.
A cada dia, Claudia inventava uma tragédia diferente que poderia acontecer com a casa da sogra, caso ela não voltasse logo para cuidar do que era seu. Claudia tinha esperança que se bombardeasse a sogra de informações, ela adiantaria a volta, por pura paranoia. Então falava de alagamentos, tempestades de areia, tsunamis, construção de hidrelétrica fictícia, praga de caramujos... até disse que ela corria o risco de chegar em casa e encontrar o MST lá, já que o imóvel estava quase abandonado.
A sogra escutava tudo e tadinha, caía como um patinho nas histórias estapafúrdias que a nora inventava. A paranoia começou a funcionar e ela estava seriamente preocupada com sua casinha.
Um dia, na hora do jantar, ela anunciou para o filho e a nora que ia antecipar a volta, partindo na semana seguinte. Claudia mal pôde conter a vontade de se pendurar no lustre para comemorar mas Marco Antônio, aquele bebê chorão, perguntou: mas já mamãe?
Dona Carmela respondeu que estava preocupadíssima com a casa, que estava com medo dela ser invadida pelo MST, atacada por alienígenas, comida por formigas mutantes e transportada por lesmas para outro lote. E que tinha pensado muito e resolvido voltar mais cedo para vender aquilo tudo, afinal só dava dor de cabeça e preocupação. Se livrando da casa, ficava livre de qualquer problema que acontecesse. Assim, podia voltar sossegada e ficar o tempo todo do mundo ali, com eles, sem preocupações. Afinal, na casa onde Claudia e Marco Antônio moravam não tinha problema nenhum, nem chuva de meteoros, nem acidente atômico muito menos tempestade de gafanhotos...
O único problema que tinha por ali, pensou Claudia com um suspiro, era invasão de sogra abelhuda. O tiro tinha saído pela culatra.
Mas Claudia pensou rápido e bolou nova estratégia. A sogra ainda ia ficar com ela uma semana. Sendo assim, ela deitou e rolou: começou a acordar às dez, exigindo café na cama. Aposentou a vassoura e a flanela, mas começou a passar o dedo nos móveis reclamando: Dona Carmela, a senhora esqueceu de passar o pano aqui, olha que sujeira! Na lista do supermercado, que a sogra insistia em pagar, colocou salmão, queijos caros, comida orgânica, dobrando o valor da conta e colocando a mão no bolso na hora de passar pelo caixa.
Finalmente, o tiro de misericórdia: a velha não gostava de escutar as conversas alheias no telefone? Pois bem, Claudia se refastelou no sofá, ligou para melhor amiga e começou a contar de-ta-lha-da-men-te as picardias sexuais dela com Marco Antônio, o filhinho da mamãe.
Em menos de uma semana, dona Carmela fez as malas e voltou pra sua casinha.

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