10 de maio de 2010

Rua de Sant Joan


Maria Luiza Martins
Picasso sente um princípio de cansaço, trabalhou seguidas horas na pintura da tela grande, no centro do seu estúdio e, por breve momento, faz uma pausa apreciando as últimas pinceladas dadas, que ficaram bem no tom que queria. Buscou aquele efeito, pintando durante todo o dia. Na janela ainda bate a claridade, mas o atelier começa a perder a luz natural. Entardece, mas o sol ainda não se pôs. Vai até a janela e olha pra fora, para a Rua de Sant Joan, e avista os passantes lá em baixo, caminhando em direção à igreja, de onde o som dos sinos chama os fiéis. A tarde é fria, ele sente através da sua camisa de trabalho. Os transeuntes também sentem o frio caindo, todos caminham agasalhados. O artista gosta dos movimentos das pessoas pela rua. E da cor uniformizando as fachadas dos prédios, que já apresentam as janelas escurecidas, pois que a pouca luminosidade do fim do dia ainda não pediu o acender das luzes. A meia claridade cria tons que unem as calçadas e os passantes. Todo o conjunto faz uma cor de harmonia de sentimento que bate em seu peito, no compasso do tanto que pintou adiantando a sua grande obra interrompida. As tintas frescas da sua tela o cansaram por hoje. Aprecia o que vê lá fora. O peitoril da janela ainda recebe um resto de cor de sol que se despede.  Seu olhar se amansa e se envolve destas cores terminando o dia.  A noite está chegando como um abraço à Rua Sant Joan, tal como uma proteção à cidade. Debruça-se no peitoril, participando da tarde, e da rua. Picasso se emociona. Sente um misto de cansaço com o encanto inusitado da tarde. Logo é tomado dessa comoção doce do momento.

Ligeiro, pega um cartão e esboça o entardecer da rua amiga. As cores são do recolhimento, duma paz de fim do dia. Em rápidos gestos reproduz a sua rua, a sua querida Rua de Sant Joan.

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