15 de junho de 2010

Carta de amor


Maria Tereza Albernaz
Forte El Zylan, 13 de outubro de ...
          Minha doce Charlotte,
          Quando fui designado para me juntar ao grupo que seguiria em duas semanas para o Forte El Zylan, o impacto da notícia me impediu de procurar você. Por dias seguidos, permaneci em casa afundado no velho sofá ou vagando pelos cômodos, como um fantasma, sem conseguir tomar qualquer iniciativa. Diante da perspectiva que atemoriza todos os soldados de meu regimento, a angústia e o medo me dominaram.
           Finalmente, percebi que os preparativos já estavam com datas acertadas. Seleção de material e enxoval militar na Academia, além de exames médicos no Hospital do Exército. A família não me poupou e as despedidas se desenrolaram em almoços e jantares por dias seguidos. O tempo que me restou ficou reduzido ao necessário para encontrar meu superior na data marcada. 
           Confesso que fugi do encontro que poderia ter me tornado um desertor.  E agora aqui estou, desesperado por não ter tomado você nos braços pela última vez. Não ter ouvido sua voz quente a me consolar e encorajar, não ter recebido o sopro de seu ar. Estas lembranças aqueceriam meu coração.
           Ao ler esta carta e saber como é minha vida neste Forte, tenho esperanças que você me perdoará. Não mereço outra punição além de ter que servir neste longínquo deserto por seis meses. Por favor, minha querida, não se assuste com a duração deste afastamento. Há casos de retorno antes do prazo previsto. Reze comigo para que seja aceita minha solicitação de transferência.
          Edificado em uma paisagem inóspita, o Forte guarda a fronteira de nosso país. Ao seu redor, somente o deserto imenso formado por irregulares dunas de areia e pequenas elevações rochosas. Nas horas mortas, isolado em meu posto de sentinela, nenhum ruído para me acompanhar. Tento em vão enxergar um sinal movente. A opressão me deixa quase sem respirar.  
         Antes de deixar o meu posto, ao final de cada dia, somente quando pronuncio seu nome num grito pungente, me sinto vivo. Ao repetir Charlotte, sua presença parece surgir entre sombras. Você é a inspiração que me faz tolerar estes dias monótonos de espera e melancolia.
         Recebendo esta curta carta, minha amada, certamente em dia muito distante do dia que escrevo, pense que quando eu atravessar este tormento, já não serei o mesmo rapaz que se escondeu dos enfrentamentos, mas o homem que pedirá você em casamento.

Um comentário:

  1. Thereza,

    Seu texto está muito bem escrito. É suave e delicado, me levou a uma época não vivida mas conhecida via literatura: romântica, cavalheiresca com traços de heroísmo e abnegação. Muito bom de ler.

    Ruth

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