23 de junho de 2010

Exercício Pirandello

Patricia Fucci
            A campainha tocou. Pedi que entrasse e ficasse confortável. Ela estava vestida de preto e carregava uma maleta. Quarentona, cabelo castanho escuro, pele clara, sendo que a do rosto era ainda mais alva que a do pescoço e braços, provavelmente pelo uso exagerado de algum cosmético.
Sentamos frente a frente e, olho no olho, comecei a entrevista:
             _Primeiramente gostaria de saber se você tem facilidade pra chorar?
             _Chorar? Que tipo de choro?
             _Choro desesperado, muito doído.
             _Ah! Choro pra valer? É minha especialidade.
          Ajeitou-se na cadeira, demonstrando estar confiante, e, do nada, começou a soluçar, compulsivamente, lágrimas profusas.
           Pedi que parasse. Parasse! E imediatamente parou. Secou as lágrimas e retomou a posição inicial. Foi só então que percebi que agora seus olhos não tinham qualquer expressão, diferentemente do minuto anterior, em que esbanjaram emoção, quando forjou o ataque de choro.
            Fiquei realmente impressionado, e foi então que lhe falei da minha intenção de escrever uma história triste, pungente. E, continuei:
            _Mas e se, por acaso, a história muda e fica, digamos, menos triste? Você saberia lidar bem com isso?
            _Lidar bem? Não faço outra coisa na vida, da hora que acordo a que durmo. E seguiu repetindo baixinho, “lidar bem”, como se minha pergunta de algum modo a houvesse ofendido. E, retomando, perguntei:
            _Quando você estaria disponível pra começar?
            _Disponível? Agora mesmo. Podemos começar agora.  Pode determinar.
           Sem esperar minha resposta, levantou-se e abriu a maleta preta, exibindo grande variedade de caracteres, suficientes para criar toda sorte de estereótipos, de palhaço a marinheiro. Aí me exaltei. Que história era aquela? Que eficiência mais inadequada. Eu nem havia determinado nada, sequer havia decidido como começar!! Nunca imaginei assim, de primeira, topar com tipo tão arrogante.
            Foi quando resolvi pôr um ponto final:
            _Não, minha senhora, nada feito, a senhora é muito apressada, meu ritmo é mais lento. Quem sabe, falamos semana que vem.
            E, de novo, aquele vazio tomou conta de seus olhos. Assim, vazia, foi juntando as coisas na maleta e fez menção de sair. Nesse momento, confesso que fiquei constrangido, nunca imaginei que pudesse ser tão desastroso o primeiro encontro de um escritor com uma possível personagem. Foi então que resolvi lhe perguntar o nome, pois realmente não me recordava te-lo ouvido, ao que ela  respondeu:
            _Meu nome? Ora, meu Deus, agora mais essa! Teria o nome que você decidisse. Esqueceu que sou uma personagem? Como esperar que eu tenha um nome? Pois vim aqui exato pra isso, pra que você me batizasse e me acolhesse em sua história por um bom tempo, durante o qual você seria meu único e adorado senhor. E, num misto de decepcionada e enraivecida, foi-se embora resmungando.

         Agora fiquei cismado. E, num arroubo de decisão, interfonei ao porteiro. Pedi, por favor, ninguém mais por hoje.

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