26 de julho de 2010

"Crime confesso de imprecisão"

Ricardo Ramos
          Graciliano: retrato Fragmentado
          Eu tinha pouco menos de 15 anos quando cheguei ao Rio e foi aí que praticamente conheci meu pai. Sua prisão me deixara muito pequeno, lá em Maceió, na casa de meu avô materno. Umas férias ligeiras, dois meses corridos entre espantos, cariocas, não haviam bastado para nos aproximar. Se dele quase não aguardar nem o rosto, quanto mais traços de temperamento. È facil imaginar as surpresas que tive, no primeiro encontro, me oferecendo um cigarro ("Você fuma?") ou nas muitas conversas continuadas.
          Logo eu trabalhava em jornal, fazia política, estudava 'a noite. Ele era inspetor de ensino na minha escola, acreditei piamente que só fiscalizava a mim. Depois eu começava a escrever, umas coisas que pareciam contos, e naturalmente foi meu primeiro leitor. Além do geral de política e literatura, nosso terreno mais comum, passamos a falar daquilo em particular. Principiava meu aprendizado.
          - Não escreva "algo" - ele implicou
          Quis saber por quê, me respondeu:
          - É crime confesso de imprecisão.
          Mais tarde eu estranhei:
          - Por que você não usa reticências e exclamações?
          Não demorou um segundo:
          - Reticências, porque é melhor dizer do que deixar em suspenso. Exclamações, porque não sou idiota para ficar me espantando à toa.
         E certa vez, a propósito de um parágrafo que eu empregara diferentes tempos de um verbo( passado, presente , futuro), recomendou:
         - Não faça isso.
        Resisti, Machado de Assis fazia, até numa frase. Estava certo. Era um erro sim. Não gramatical, mas de pensamento. Ninguém raciocina aos pulos. E arrematou:
        - O importante é escrever duas páginas no condicional sem ficar monocórdio, nem dar eco, sem que se perceba.
        Esmoreci, confessando:
        - Não vou conseguir isso nunca.
       Ele me animou:
       - Vai, sim. Com suor, paciência, vai.

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