16 de novembro de 2010

Reescrita, traduções e releitura do Endimião de Keats

Passos em direção à beleza
Uma das meninas de Vélasquez (1665) e a releitura de Picasso (em torno de 1950)
 Leitura
O Endimião é um poema longo escrito de abril a 28 de novembro de 1817 e publicado em fins de abril de 1818. Cuida dos amores mitológicos de Febe (a Lua) e Endimião, em quatro livros cheios de incidentes.
Releitura
O tema, que consta de Ovídio, inspirou ao Cariteo, na Itália, em livro intitulado Endimione, no qual se dirigem poemas platônicos a "Luna". O assunto, na Inglaterra, foi desenvolvido por Lyly (Endimion), também platonicamente, ou por Drayton (Endymion and Phoebe), com uma história mínima, cheia de uma sucessão de cenas agradáveis interrompidas por meditações ou dissertações casuais sobre Astronomia, Astrologia, Filosofia. Admite-se que Keats haja conhecido essas e outras fontes insulares, que foram profusas (vide E.S. Le Comte, Endymion in England, Nova York, 1944).
 Escrita
O excerto abaixo abre o poema, com um verso celebérrimo, "A thing of beauty is a joy for ever", que Keats imaginou em 1815,
Escuta
ao tempo em que morava com outro estudante de medicina, Henry Stephens, o qual disse que à primeira versão da linha - "A thing of beauty is a constant joy" - faltava alguma coisa.
Reescrita 
Keats emendou então, tornando-se magistral o verso.
Péricles Eugenio da Silva Ramos
***
O poema (trecho)
Endymion
John Keats
A thing of beauty is a joy for ever:
Its loveliness increases; it will never
Pass into nothingness; but still will keep
A bower quiet for us, and a sleep
Full of sweet dreams, and health, and quiet breathing.
Therefore, on every morrow, are we wreathing
A flowery band to bind us to the earth,
Spite of despondence, of the inhuman dearth
Of noble natures, of the gloomy days,
Of all the unhealthy and o'er-darkened ways::
Made for our searching: yes, in spite of all,
Some shape of beauty moves away the pall
From our dark spirits. Such the sun, the moon,
Trees old and young, sprouting a shady boon
For simple sheep; and such are daffodils
With the green world they live in; and clear rills
That for themselves a cooling covert make
'Gainst the hot season; the mid forest brake,
Rich with a sprinkling of fair musk-rose blooms:
And such too is the grandeur of the dooms
We have imagined for the mighty dead;
All lovely tales that we have heard or read:
An endless fountain of immortal drink,
Pouring unto us from the heaven's brink.
 ***
Traduções
1. Endimião
Tudo o que é belo é uma alegria para sempre:
O seu encanto cresce; não cairá no nada;
Mas guardará continuamente, para nós,
Um sossegado abrigo, e um sono todo cheio
De doces sonhos, de saúde e calmo alento.
Toda manhã, portanto, estamos nós tecendo
Um liame floral que nos vincule à terra,
Malgrado o desespero, a carestia cruel
De nobres naturezas, os escuros dias,
E todos os sombreados e malsãos caminhos
Abertos para nossa busca: não obstante,
Alguma forma bela afasta essa mortalha
De nossa lúgubre alma. Assim são sol e lua,
As árvores lançando a dádiva da sombra
Às ovelhas sem mal; e assim são os narcisos
Com o mundo verde no qual vivem, e os regatos
Que fazem para sim uma coberta amena
Contra a quente estação; a moita mato adentro,
Rica de um jorro em flor de almiscaradas rosas;
E assim também a majestade dos destinos
Que imaginamos para os mortos poderosos;
Os lindos contos que nós lemos ou ouvimos:
Uma fonte infindável de imortal bebida
Que da fímbria dos céus a nós se precipita.
Trad. Péricles Eugenio da Silva Ramos, 1987 - Premio Jabuti - 1986

2. Endymion
O que é belo há de ser eternamente
Uma alegria, e há de seguir presente.
Não morre; onde quer que a vida breve
Nos leve, há de nos dar um sono leve,
Cheio de sonhos e de calmo alento.
Assim, cabe tecer cada momento
Nessa grinalda que nos entretece
À terra, apesar da pouca messe
De nobres naturezas, das agruras,
Das nossas tristes aflições escuras,
Das duras dores. Sim, ainda que rara,
Alguma forma de beleza aclara
As névoas da alma. O sol e a lua estão
Luzindo e há sempre uma árvore onde vão
Sombrear-se as ovelhas; cravos, cachos
De uvas num mundo verde; riachos
Que refrescam, e o bálsamo da aragem
Que ameniza o calor; musgo, folhagem,
Campos, aromas, flores, grãos, sementes,
E a grandeza do fim que aos imponentes
Mortos pensamos recobrir de glória,
E os contos encantados na memória:
Fonte sem fim dessa imortal bebida
Que vem do céus e alenta a nossa vida.
Trad. Augusto de Campos, 2009
Colhido no http://antoniocicero.blogspot.com
***
Releitura
Beauty: A thing of
Haroldo de Campos
sentada no sam-
witch à hora do
almoço ergueu o braço
à altura dos cabelos um
pente louro alumbra à axila
promessa do outro
pente debruçada sobre a mesa
lápis e o caderno de notas
livros nausícaa em camiseta e/
mêmore no mármore do tempo
e se levanta e
sai
(Haroldo de Campos. In: A educação dos cinco sentidos, 1985)

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