29 de maio de 2011

De passagem

Suitcase, Jefferson Hayman
          Patrícia Fucci
          Adalberto era representante comercial, um caixeiro viajante, sempre perambulando por esse mundo afora, em busca de novos mercados. Era um tipo comum, baixinho, magro e ligeiro. Andava rápido, com passos curtos. Mas mesmo com essa pressa toda, indo de lá pra cá e de cá pra lá, não raro, era acometido pela solidão.
          E de tanto viajar sozinho, acabou desenvolvendo o hábito de levar com ele pessoas queridas, digo, dentro dos seus pensamentos. E assim o fazia, pois se tratando de pessoas bem chegadas quase não precisava adivinhar, já lhes conhecia o gosto, o que lhe conferia o poder de asseverar, sem risco de erro, o que achavam sobre essa ou aquela coisa. Inicialmente, costumava levar um de cada vez, mas com o tempo, passou a carregar dois e, às vezes, três companheiros. Quase não discordavam e, aos poucos, aquilo foi ficando enjoado.
          Foi aí que Adalberto, a fim de espantar a mesmice, passou a levar consigo pessoas menos chegadas. Uma vez carregou seu senhorio, outra, sua gerente de banco. Parecia-lhe mais desafiador, pois destes não conhecia os hábitos, pelo que deveria ter mais atenção, puxaria mais por si, e isso era bom. Não tardou para que passasse a formar grupos com esses semi desconhecidos, o que rapidamente se transformou num caos. Às vezes passavam-se horas até que conseguissem resolver onde comer, sendo quase sempre difícil decidir se descansariam entre uma viagem e outra ou se seguiriam direto. Estava cansado disso também, mas não queria ficar só novamente.
          Então teve uma idéia, passaria a levar consigo pessoas completamente desconhecidas, de preferência as que não tivessem qualquer rumo na vida, pois assim seguiriam seu caminho de bom grado. Buscou então, nos becos, viciados e prostitutas, marginais de toda sorte, na esperança de lhe servirem de companhia. Qual o quê, jamais conseguiu um minuto de paz com eles, traziam questões muito profundas, muito sofridas, e aquilo tudo estava fazendo mal ao nosso viajante, que passou a sentir-se ameaçado. Com todas aquelas vozes dentro da sua cabeça, não agüentaria mais muito tempo, estava exausto.
          Foi quando uma voz de criança, lhe oferecendo pipoca, retirou-o dos seus conturbados pensamentos. Sim, aceitou a pipoca com prazer. Era uma linda menininha de cabelo vermelho, sentada ao seu lado no ônibus. Em poucos segundos, Adalberto já lhe sabia o nome, a idade e a brincadeira predileta. Estava vindo de férias da casa da avó e viajava acompanhada da mãe, que sentava dois bancos atrás. Então, Adalberto virou-se. Localizou a jovem senhora e, selando a recente camaradagem, propôs a troca de lugares.

          Já desembarcado e, embora novamente sozinho na plataforma da rodoviária, Adalberto se percebeu aliviado.
         Ao subir no próximo ônibus que finalmente o levaria para casa, após quinze dias de trabalho ininterruptos, sentia-se realmente cansado. Procurou um lugar na janela e recostou a cabeça. Estava leve, sonolento, as imagens perdendo o foco. Sentia-se muito bem, flutuando. Foi então que sonhou seu melhor sonho. Voava na garupa de um anjo louro que montava um cavalo alado e todo azul, que, em movimentos curvos, sobrevoava o mundo, que ia cada vez ficando mais longe, cada vez menor, até que, aos pouquinhos, foi sumindo, foi sumindo, sumindo.
Spike Gillespie

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