14 de outubro de 2011

Presságio

SWP
— ...
— Ô Seu João...!?... Não vai falar nada, não? ‘Tô esperando sua resposta faz muitos dias... Tive aqui foi na semana atrasada. Vim te avisar, e avisei, e, ‘tô falando em nome da Justiça. O senhor sabe que eu sou o comandante do 8º Batalhão de Polícia da Justiça Estadual. Não é no meu nome, não... Expliquei pro senhor que as terras foram compradas por uns capitalistas... Parece que são estrangeiros, porque é tudo louro de olho azul. Acabou o tempo de posseiro nessas terras... Agora, o senhor vai ter de ir pra outro lugar; decerto mais pra longe... Nesses confins de Minas não são todas as terras que tem dono e o senhor há de encontrar uma que lhe sirva.
— ...
— Seu João, assim não dá. Em vez de dar um jeito de sair, você botou foi uma cerca, ficou doido? ‘Cê sabe que vai ter de sair. ‘Tá só atrasando os procedimentos da Justiça. E, não é por causa do minério que descobriram, não. As terras já tinham sido compradas antes do minério. E você sabe, né? Justiça é Justiça, Juiz decidiu, ‘tá decidido. Vim lá da Capital e até agora não pude cumprir a lei; os outros já saíram só falta o senhor.
— ...
— Seu João, tem paciência! Não me faz usar a força. Tenho outros três homens comigo... Sei que tem tempo que ‘cê mora aqui, que sua família ‘tá aqui e que é aqui que ganha o seu sustento. Por isso mesmo é que lhe digo que vai ser fácil de achar outro lugar. Todo mundo sabe que você é um homem trabalhador.
— ...
— Seu João, fala alguma coisa senão vou lhe tirar à força...
— ...
— Ôôô ... Romualdo!.... Tira ele da frente e vamo’ arrebentar a cerca.  Chama os nossos homem.
— Chama não, seu moço. O senhor me mostra os papel da Justiça que eu não sei ler, mas minha filha, ali dentro, sabe.

João largou a mão do facão que trazia no cinto e amassou o chapéu encardido com as duas mãos. Transferia pro chapéu um ódio surdo, e desmesurado.

— Dá os papel.
— Que negócio é esse de papel? Já disse que ‘tô representando a Justiça. e Falo em nome dela. Não tem nada de papel. É só sair, que é pros novos donos ocupar as terra. É gente graúda que não tem tempo pra perder.
— Sem papel não saio não, fulminou João. Os olhos odientos desafiavam o polícia, ajudados pelo corpo aprumado e a voz forte, quase gritada.
— ‘Cê não entende mesmo. É cabeça dura pra diabo. Eu não ‘tô pedindo, eu ‘tô é mandando.

Uma galinha saltou, cacarejando, do poleiro, alvoroçando todo o galinheiro.  João entendeu. Era um presságio.

Naquele justo instante lhe veio na cabeça a briga travada com os outros, medrosos, na defesa do que era direito. Vieram também todas as dificuldades que tinha passado pra chegar naquele ponto. A miséria maior abandonada lá atrás. A construção da casa, os choros da mulher quando não tinha o que comer. As dificuldades da filha pra chegar à escola na cidade. A briga incessante com os pés de milho, dos primeiros dedos vermelhos da aurora até o fim da tarde. Sem descanso. As chuvas, a seca, as pestes castigando a plantação. E as dificuldades de levar a produção pra vender? Tudo isso ele foi resolvendo, conquistando seu lugar. E agora, essa? O povo da cidade afirmando que era o polícia mesmo que ia ficar com as terras. Pra negociar com os estrangeiros, depois da descoberta do infeliz do minério... Ah, não!

— Seu moço, ouvi dizer é que é o sinhô que vai ganhar com as terra. O povo ‘tá falando isso. Com minério ou sem minério, não vou sair das minhas terra, não. Por isso, zarpa daqui!
— Seu João, já lhe avisei mui...

Não chegou a terminar a ameaça. Alguém do alto da serra, lá de longe, soprou nos ouvidos do João que ele tinha era de cumprir o seu destino.

A tarde já ia caindo. Os outros polícias se juntaram em redor do tal comandante tombado ali no chão. João largou o facão no chão. Entrou em casa e fechou a porta.
Portinari

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